Há uma
pergunta recorrente em uma tragédia: “Onde Deus estava quando tudo ocorreu?”.
Seja no holocausto judeu, nos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001,
ou no incêndio que vitimou mais de duzentos jovens em Santa Maria (RS), a
pergunta não quer calar no coração de alguns.
Soube que alguém usou fotos de corpos que ficaram estirados dentro da
boate Kiss, em Santa Maria, para “provar” que Deus não existe. Afinal, se ele
existisse, onde estaria no dia da tragédia? Porque não evitou a morte sofrida
de tantos jovens?
Na verdade, o argumento é frágil, pois parte de várias premissas completamente
equivocadas. Uma delas é a de que Deus deveria, a qualquer custo, evitar o
sofrimento humano. Na teologia cristã, Deus não somente permite o sofrimento
dos justos (Jó e o apóstolo Paulo são exemplos clássicos), mas se encarnou para
vivenciar todas as dores e temores sentidos pelos homens e, por fim, a própria
morte. Ele não nos promete livrar da dor, mas estar conosco nela.
A Bíblia também nos ensina que Deus, além de
onipresente, tem o controle de tudo o que acontece no mundo. Assim sendo, posso
afirmar: Deus estava na boate Kiss no dia da tragédia. Sim, não há lugar no
Universo em que não esteja (Sl. 139: 7-10). Mais ainda, podemos ver (se a fé
nos abrir os olhos) que a mão do Senhor operou naquele lugar e em vários outros
espalhados por Santa Maria nos dias subsequentes.
Se havia mais de mil pessoas naquela boate, então vejo a força de Deus
empurrando centenas de jovens para fora daquele lugar, dando-lhes oportunidade
de seguirem seu caminho, percebendo a efemeridade e preciosidade de suas vidas.
Vejo o mover de Deus na vida de jovens que corajosamente
enfrentaram a fumaça tóxica para salvar amigos que estavam dentro da boate. Um
deles salvou cerca de catorze pessoas e acabou morrendo depois. Na sua
epístola, João escreve: “Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a sua vida por
nós; e devemos dar nossa vida pelos irmãos” (3:16).
Vejo a compaixão de Deus na vida de centenas de voluntários que
cederam seu tempo, dinheiro e trabalho para minorar o sofrimento alheio. Uns
fizeram lanches para os familiares e amigos, que desolados velavam seus mortos.
Outros cederam quartos em suas casas para abrigar os que vinham de outras
cidades. Alguns, ainda, “choraram com os que choram” (Rm. 12:15) e milhares
oraram para que o consolo divino acalentasse os corações feridos.
Meus olhos e minha fé não alcançam todas as nuances da providência
divina. Também há perguntas que não tenho como responder. Mas, ainda assim,
podemos confiar no amor e sabedoria divina, como descreveu o poeta William
Cowper:
“Não julgue o Senhor com débil
entendimento,
Mas confie nele para sua graça.
Por trás de uma providência
carrancuda,
Ele oculta uma face sorridente.
Seus propósitos amadurecerão
rapidamente,
Desvendando-se a cada hora;
O botão pode ter um gosto
amargo,
Mas a flor será doce.
A incredulidade cega certamente
errará
E esquadrinha sua obra em vão:
Deus é seu próprio intérprete
E Ele o tornará claro”.
George Gonsalves